A pandemia de covid-19 desafiou o mundo inteiro, incluindo os parlamentos. Como reunir centenas de parlamentares em local fechado? Treze países com mais de 500 milhões de habitantes interromperam suas atividades e outros dezoito com cerca de 1.7 bilhão de pessoas adiaram as sessões que poderiam decidir como seria o enfrentamento ao coronavírus. Em junho de 2020, 14% dos parlamentos não estavam se reunindo, enquanto 36% deles mantinham reuniões reduzidas ou limitadas. Os dados são do Inter-Parliamentary Union (IPU), que reuniu informações de 2008 a 2020. Não foi o que aconteceu na Câmara dos Deputados do Brasil, que adotou sessões híbridas e remotas, como medida para promover o distanciamento social. As soluções mundo afora passaram pelos caminhos digitais e tecnológicos, com mudanças estruturantes ocorrendo em dias.
O funcionamento das Casas Legislativas pressupõe reunião com diversas pessoas em um mesmo espaço físico para ouvir a sociedade, deliberar políticas públicas, votar proposições legislativas. A pandemia inviabilizou esse funcionamento tradicional, impondo novas formas e dinamicidade aos trabalhos, ao mesmo tempo preservando a saúde dos parlamentares e servidores.
Logo no início da pandemia, a Câmara instituiu o Sistema de Deliberação Remota (SDR). Ficou permitida a votação por aplicativo em dispositivo móvel — previamente cadastrado com biometria digital e facial e notificação do início de uma votação, garantindo mais segurança às votações. Posteriormente, as sessões plenárias passaram a ser híbridas, com a possibilidade de intervenções presenciais e virtuais, além das votações pelo aplicativo Infoleg instalado nos dispositivos móveis dos 513 deputados. Um ano depois do SDR, o funcionamento híbrido das sessões plenárias já tinha sido ampliado para as reuniões das Comissões e do Conselho de Ética.
Diversos parlamentos do mundo hoje funcionam com maior digitalização do processo legislativo, servidores trabalhando remotamente e parlamentares participando de sessões virtuais e híbridas.
Vale lembrar que, em anos anteriores à pandemia, a Câmara já havia adotado inovações tecnológicas, fazendo com que os recursos incorporados em razão da covid fossem decisivos para que o Congresso Nacional (junto com o Senado brasileiro e os parlamentos do Chile e da Espanha) figurasse como uma das primeiras casas legislativas a se adaptar às restrições impostas pela pandemia.
Em tempos não muito distantes, era necessário colher dezenas de assinaturas manualmente para um projeto de lei ter apoio e depois enfrentava-se uma fila para protocolar. Era bem a cara do século 20. O uso das tecnologias trouxe efetiva modernização ao parlamento brasileiro: assinatura eletrônica, apresentação de projetos via sistema interno, audiências públicas virtuais. O SDR garantiu que as votações fossem exclusivamente voltadas ao enfrentamento à covid-19, como a aprovação do auxílio emergencial, criação de lei para garantir o uso de máscaras e a flexibilização do orçamento com a publicação das Medidas Provisórias nº 1046 e 1047.
Essas mudanças consolidam o “e-parlamento” de maneira eficiente e com maior responsabilidade, permitindo aos servidores e ao público em geral o acompanhamento de todo o ciclo do processo legislativo. Também houve avanços para além das sessões, como a economia de recursos à Câmara, com menos deslocamentos de parlamentares.
A sociedade já se identifica com abaixo assinado e petições on-line. De fato, não queremos voltar ao modelo analógico. Afinal, a Câmara dos Deputados já se modernizou em curto espaço de tempo rumo ao Século XXI. É nesta direção que precisamos seguir.
Na fase digital do parlamento, várias mudanças se concretizaram. Cito a disponibilização de documentos de modo acessível e linguagem simples no site da Câmara; apresentação digital de proposições legislativas por meio do aplicativo Infoleg; e o engajamento dos cidadãos a partir de enquetes, perguntas em audiências públicas interativas, envio de sugestões (wikilegis) etc.
O site da Câmara atualmente conta com ferramentas de acessibilidade que transformam textos em áudios, leitura em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) esocializers das principais redes sociais, além de e-mail institucional para comunicação com a sociedade. As sessões em plenário e as reuniões de comissões já são transmitidas ao vivo pelo YouTube e também pela TV Câmara, Rádio Câmara, gerando histórico para consultas e pesquisas.
O portal também fornece informações sobre cada deputado, como biografia, proposições apresentadas, discursos, votações e gastos, bem como informações sobre atribuições, funcionamento da casa e do processo legislativo, glossário de termos, cursos à distância, materiais educativos, publicações, estudos e notas técnicas.
De fato, a essência das atividades parlamentares não se resume ao voto, mas abrange toda construção política entre os pares e as intervenções durante as sessões. Modernizar as regras internas do parlamento brasileiro pode parecer assunto de interesse exclusivo dos parlamentares, mas sabemos que não. Compreender o regimento interno é abrir as portas da Câmara aos interesses e prioridades do povo.
Em tempo de crise, seja guerra, desastre natural ou pandemia, é necessário deliberar proposições voltadas ao combate dessas crises. E o Congresso Nacional deu exemplo ao se manter em funcionamento ainda que no auge da pandemia. Renovações tecnológicas se tornaram soluções nesse enfrentamento e devemos incorporá-las à atividade parlamentar no pós-pandemia.
É certo que esse momento vai passar. O que deve permanecer e o que não deve? Esta é a reflexão que decidirá o futuro que queremos para a Câmara dos Deputados. A pandemia vai perpetuar o avanço tecnológico da Casa. E certamente as sessões virtuais não serão a regra, pois perderíamos a qualidade dos debates, porém não podem ser totalmente descartadas.
Deputado Federal Rubens Pereira Jr
Coordenador do GT de modernização do Regimento Interno da Câmara
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