No dia 05 do mês de abril passado, a Prefeitura de São Luís apresentou em um evento fechado, o “novo” Plano Diretor da cidade. Pelo que foi divulgado através dos meios de comunicação e mídias sociais, se tratou de uma atualização dos mapas da proposta que havia sido encaminhada para a Câmara de Vereadores em fevereiro de 2020, para cumprir as recomendações do Ministério Público Estadual: a indicação, nos mapas, das áreas de risco da cidade, e a redefinição do perímetro urbano e das áreas rurais do município.
Logo depois, a proposta foi encaminhada à Câmara de Vereadores e se encontra neste momento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para análise da conformidade e legalidade do instrumento elaborado. Aproveitamos, portanto, este momento que julgamos oportuno, para apresentar algumas contribuições à análise.
A primeira, diz respeito ao tempo transcorrido desde as últimas discussões públicas realizadas em 2019 e a aprovação de novos instrumentos legais que precisam ser considerados na proposta do Plano Diretor.
Um instrumento legal importante, aprovado no final do ano passado – e, portanto, bem depois dos debates e audiências públicas realizados para o Plano Diretor de São Luís – é a Lei Federal nº14.285 de 29 de dezembro de 2021, que dispõe sobre as Áreas de Preservação Permanentes – APP’s no entorno de cursos d’água em áreas urbanas consolidadas. Esta lei está embasada em uma tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1010, sobre APP’s em áreas urbanas consolidadas.
Um passo além do Código Florestal brasileiro, atualmente regulado pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, este novo dispositivo legal abre uma oportunidade para que os municípios percebam os problemas reais da ocupação urbana existente no leito de rios e cursos d’água menores, indicando instrumentos técnicos, como o diagnóstico socioambiental, instâncias de discussão, como os conselhos de meio ambiente, e parâmetros legais para enfrentar estes problemas.
Trata-se de um dispositivo legal abrangente, pois altera a Lei nº12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, a Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre regularização fundiária em terras da União, e a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, com impactos sobre o nosso Plano Diretor.
Uma contribuição interessante desta lei federal é que, no momento em que o Plano Diretor propõe mudanças nos perímetros de áreas urbanas e rurais do município, este dispositivo modifica a Lei nº12.651/2021, redefinindo os critérios para caracterizar as “áreas urbanas consolidadas”, que podem ser tomados como parâmetros para a análise da proposta, uma vez que a Prefeitura de São Luís não apresentou os estudos técnicos que fundamentaram a transformação de áreas rurais em áreas urbanas.
Versando sobre a regularização fundiária, este dispositivo altera o Art. 22 da Lei nº 11.952/2009, e inclui o parágrafo 5, determinando que “os limites das áreas de preservação permanente marginais de qualquer curso d’água natural em área urbana serão determinados nos planos diretores e nas leis municipais de uso do solo, ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente”. Ou seja, com ou sem mudanças nos perímetros das APP’s previstos no Macrozoneamento Ambiental anexo ao Plano Diretor, impõe-se agora mais duas instâncias de debate sobre o tema: os conselhos de meio ambiente nas duas esferas do poder público, a estadual e a municipal.
Ademais, de forma complementar, modificou-se o Art. 4º da Lei nº 6.766/1979, colocando a obrigatoriedade de reserva de uma faixa não edificável para cada trecho de margem de cursos d´água naturais em área urbana consolidada, necessariamente “indicada em diagnóstico socioambiental elaborado pelo Município”. Essa preocupação justifica-se pela necessidade e importância do poder público entender as especificidades de cada situação urbana, ao disciplinar os limites, usos e índices.
Mais uma vez, evidencia-se o fato de que a municipalidade não apresentou os estudos técnicos específicos sobre os temas sensíveis do Plano Diretor, como, neste caso, a delimitação e uso de áreas lindeiras aos cursos d’água que, em São Luís, atravessam bairros densamente povoados, como o Coroadinho e a Cidade Olímpica, para dar apenas dois exemplos.
Está claro, portanto, que a simples indicação das áreas de risco nos mapas do Macrozoneamento Ambiental, transcrevendo informações de relatórios da Defesa Civil e do Serviço Geológico do Brasil – CPRM, sem a participação do Conselho da Cidade, dos conselhos de meio ambiente e sem consultas públicas, não basta para cumprir os requisitos do Estatuto das Cidades, e, por conseguinte, do próprio Ministério Público Estadual. Também não é o suficiente para dar funcionalidade ao Plano Diretor: seria necessário fazer mais, elaborando os diagnósticos socioambientais, classificando as áreas urbanas, rurais e áreas de risco e definindo as prioridades de intervenção, no próprio texto do plano, que, sem nada disso, já nasceria caduco.
Rubens Pereira Júnior
Advogado, mestre em Direito Constitucional e Deputado Federal (PT-MA).
José Antonio Viana Lopes
Arquiteto e Urbanista, mestre em Desenvolvimento Urbano e Ambiental.
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