A Cidade que Queremos*
Não há muito tempo, em um bate-papo despretensioso, um dos participantes descreveu sua infância nos anos 80 de forma romântica e nostálgica. Ele dizia: “lembro bem de quando passava o dia brincando nas ruas do bairro do São Francisco com outras crianças até que era chegada a hora do almoço, e eu voltava correndo para casa aos chamados da minha mãe”. Não pudemos deixar de perceber a expressão de felicidade em seu rosto ao descrever esse episódio tão simples de sua infância.
As cidades brasileiras ao longo das décadas, desde que o nostálgico amigo brincava nas ruas, até os dias de hoje, vem passando por um aumento dramático do número de seus habitantes. De acordo com o relatório de urbanização de 2014 das Nações Unidas, até 2050, dois terços da população mundial vão viver em cidades. Esse fenômeno acarreta um aumento significativo no déficit habitacional e principalmente, uma invasão do automóvel individual nos grandes centros urbanos.
Impulsionados pelas políticas fiscais de incentivos à compra de automóveis e pela decadência do sistema de transporte público coletivo em todo o Brasil, o grande número de automóveis nas ruas transformou as cidades brasileiras em lugares mais inseguros para pedestres, mais poluídos e estressantes para seus moradores. Mas seria o carro o único causador da insatisfação no ambiente urbano? Obviamente não poderíamos creditar toda a culpar pela insatisfação dos moradores da cidade no automóvel individual, porém, certamente este é sim um grande vilão que contribui para as angústias urbanas.
De acordo com o escritor canadense Charles Montgomery, em seu livro Happy City: Transforming our Lives Through Urban Design (Cidade Feliz: Transformando Nossas Vidas Através do Desenho Urbano), são vários os fatores que contribuem para o bem-estar urbano, como por exemplo, moradia digna, empregos, segurança, escolas de qualidade e até mesmo o comércio. Contudo, é inevitável destacar que as cidades com maior índice de qualidade de vida do mundo, como Copenhagen e Estocolmo por exemplo, possuem pelo menos uma característica em comum: O centro de suas políticas públicas urbanas são as pessoas, e não o carro, como se observa na cidade modernista.
De acordo com Montgomery, o que as cidades devem buscar depois de terem atendido às demandas de abrigo, alimento e segurança para seus habitantes, é um ambiente urbano que seja prazeroso de estar, que melhore a saúde das pessoas. Também que priorize a liberdade de ir e vir de seus habitantes com meios simples e sustentáveis de transporte, que tenha o menor impacto possível no meio ambiente. O ideal é que seja democrático e justo na distribuição de seus equipamentos urbanos no espaço público, e principalmente, um ambiente urbano que permita o fortalecimento dos laços de amizade entre as pessoas, priorizando a conexão humana em um espaço colaborativo e de oportunidades.
Essa cidade talvez não seja a que aquele amigo experimentou na sua infância nos anos 80. Naquela década, tal como hoje, a cidade perfeita era somente uma utopia idealizada por arquitetos e urbanistas. Além disso, as memórias de criança que temos depois de adultos, geralmente nos remetem a um momento onde nossos pais eram os que lidavam com a dura realidade do dia-a-dia de trabalhar na cidade, o que nos leva a uma falsa percepção da realidade de outrora.
O que, sim, é verdade sobre os anos 80 no Brasil, era o caráter mais intimista que havia nas cidades. Onde as crianças podiam brincar nas ruas devido ao número reduzido de carros, vizinhos se conheciam pelos nomes e pessoas costumavam sentar-se à porta de suas casas nos bairros ao fim do dia sem medo da violência que nos assola hoje nos centros urbanos.
A cidade que queremos possui características similares àquelas das décadas onde as relações entre as pessoas se davam naturalmente nos espaços públicos sem o estresse e ansiedade da atualidade. Uma cidade de equipamentos urbanos projetados com escala humana, pois como coloca o arquiteto dinamarquês Jan Gelh, isso facilita o nascimento de relações interpessoais nas comunidades.
A cidade que queremos respeita e incentiva a criação de espaços verdes, prioriza os meios de transporte sustentáveis sobre os motorizados, usa a tecnologia para promover a diversidade na apropriação dos espaços públicos e celebra a democracia na produção dos mesmos. Nesta cidade, todos trabalham juntos para chegar ao objetivo comum do bem-estar social.
Queremos uma cidade verde, humanizada, democrática, que celebra a interação social entre os seus habitantes, onde crianças, adultos e idosos podem compartilhar os espaços público em harmonia, e que propicia a liberdade de movimento de sua população por meios sustentáveis de transporte. Esta será uma cidade mais feliz.
*autores;
Rubens Pereira Júnior
Secretário das Cidades e Desenvolvimento Urbano do Maranhão
e
Arlene Vieira
Secretária-adjunta de Desenvolvimento Urbano do Maranhão
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